Cinema, Crítica

Praia do Futuro: o pensamento e o mergulho…

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A questão de Donato é o mergulho: é nele que o personagem de Wagner Moura em Praia do Futuro, novo longa do diretor Karim Aïnouz (Madame SatãO Céu de Sueli), se percebe vivo e parte de algo. Donato é um bombeiro salva-vidas que atua na praia que empresta seu nome ao longa. Um bombeiro que, sob as águas, percebe-se por alguns instantes vivo. Em um destes instantes ele não consegue salvar um turista alemão de seu inevitável afogamento nas águas traiçoeiras da Praia do Futuro.

Nisso Donato conhece Konrad (Clemens Schick), um ex-soldado e motociclista alemão que passava suas férias com um amigo quando este é levado pelo mar. Donato se aproxima de Konrad, se envolve nele e, como resultado, se permite o mergulho definitivo quando parte para Berlim abandonando o pouco que existia naquela praia onde o escapismo estava nas águas.

Praia do FuturoPraia do Futuro é um filme belo e que nos interroga essencialmente sobre o que significa estar vivo: sobre esta sensação que é a de não pertencer e não se reconhecer em um lugar que deveria ser nosso lugar. Donato era um peixe fora d’água que não conseguia se reconhecer sequer quando junto com peixes de seu ofício – e isso fica claro na coreografia que os salva-vidas protagonizam em determinado momento do longa, quando o protagonista contempla, desolado, o mergulho destes e a aparente falta de sentido daquele ato.

O sentimento de desolação de Donato se transforma quando, em Berlim, descobre-se aceito, reconhecido, liberto: o personagem pode, ali, sentir-se e aceitar-se. Este me parece o principal quando Aïnouz nos brinda com um personagem homossexual que precisa deixar seu teórico “lugar” para finalmente perceber-se vivo. Em uma das cenas de Praia do Futuro, o encontro entre Donato e seu irmão Ayrton (Jesuita Barbosa), temos a dimensão desta idéia no silêncio tocante do primeiro quando interrogado por ter abandonado Ayrton e toda sua família.

imageA cena é uma das mais vigorosas interpretações já vistas de Wagner Moura e das mais tocantes que o cinema produziu, sem palavras, melodrama: só olhares, sentimentos e, de certa maneira, um pedido de perdão pela necessária distância. A beleza de Praia do Futuro é sublime em muitos dos sentidos captados por Aïnouz, mas, em um em particular, está o sublime inerente ao mergulho, à libertação através dele e a urgência por experimentar a imensidão e todas as suas incertezas.

Donato experimenta esta imensidão e, como a canção de Bowie que encerra com os créditos o filme de Aïnouz, tal experimento vale a pena nem que seja por um dia em nossas vidas.

Trailer

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Crítica, Séries

E eis que decidiram tirar o Flash do limbo…

O trailer abaixo é mais uma série do canal a cabo norte-americano CW. Ninguém menos do que o Flash será a estrela desta nova franquia que, se seguir os passos de Arrow, periga agradar os fãs.

O personagem já teve outra série na década de 90, mas, especialmente devido ao apuro tecnológico recente, a nova investida do personagem parece interessante. A série deve estrear no próximo semestre e não mudará seu mundo nem oferecerá nem um desafio narrativo mais complexo, mas, ainda assim, creio que vale a pena conferir.

Como disse o amigo Alex de Souza, se seguir os passos de Arrow estará de bom tamanho…

Confere aí:

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Sabe, todo o fã de HQs gostaria do fundo de seu coração que os cineastas de um modo geral não metessem o bedelho em uma narrativa que, na maioria das vezes, eles não parecem compreender. Seja a construção, a forma ou, no final, o resultado geral, geralmente a transposição de uma forma narrativa para outro meio termina em algo, digamos, distante da forma original e algo completamente novo quando transposta.

Vejamos um exemplo recente, para deixarmos bem claro. O filme X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, do diretor norte-americano Bryan Singer, sequer estreou, mas já divide opiniões entre os fãs dos personagens criados por Stan Lee e Jack Kirby. O motivo é bastante simples: a história das telas foi completamente modificada em relação ao seu original nas HQs. Não é qualquer arranjo, mas algo bastante significativo: como se a versão das telas derivasse de algum universo paralelo da Marvel…

São muitos os exemplos de longas que, baseados em HQs, terminaram como fiasco frente ao seu fandom original. Existem, claro, outros que surpreenderam – como as franquias Hellboy ou Sin City. Entretanto, geralmente tais tentativas terminam parindo interpretações de narrativas que mais parecem licenças poéticas para histórias consolidadas mas que desagradam a “perspectiva” daqueles que desejam vertê-las para outros suportes.

AkiraPoster1Parece papo de teórico, mas é bem por aí. A questão toda me veio à mente ao ver um trailer fan-made de Akira que ganhou a rede esta semana. Faz muito que se fala sobre um live-action com os personagens criados por Katsuhiro Otomo, porém nada de concreto se viu até agora. O problema é que o que se viu veio dos fãs de Otomo e não dos estúdios que pretendiam levar Akira às telas.

O trailer feito por fãs demonstra como funciona a lógica contemporânea por trás dos meios de comunicação e de como as formas narrativas podem ser construídas não só por criadores, mas também por recriadores. Quando alguns fãs mais abnegados e donos de saberes específicos se propõem a contar/recontar uma história, não há nada a se fazer senão apreciar o resultado. No caso do trailer criado pelo Akira Project, a dimensão é ainda maior.

Criado em 2012, um grupo de fãs decidiu realizar uma versão live-action do longa de animação Akira de 1988. A iniciativa louvável, antes que algum estúdio decidisse destroçar o longa original, foi organizada e contou com uma campanha de crowd funding que arrecadou pouco mais de US$ 3 mil para o projeto, mas que arrebanhou colaboradores para dar continuidade à idéia. O trailer que você viu acima levou um ano e meio para ser concluído, mas reflete bem a tendência de um segmento mais e mais ligado à lógica dos fãs: se a indústria não é capaz de ofertar algo que reflita as expectativas do fandom quanto a determinada expressão objeto de culto, este mesmo fandom criará sua própria versão deste algo cultuado.

A iniciativa Akira Project demonstrou na última semana que em uma atmosfera de apropriação dos meios de produção por aficcionados pode se traduzir em alternativas às formas produtivo-culturais consolidadas. No fim, que belo trailer resultou deste esforço midiático-colaborativo promovido por estes fãs.

Katsuhiro Otomo deve estar orgulhoso com o resultado da investida e os estúdios hollywoodianos devem estar correndo atrás dessa rapaziada pra saber a receita deles…

Artigos

No RN, o que são algumas escolas para um Estado às moscas?

Há algumas semanas postei um comentário no Facebook em que falava sobre o volume de recursos que a Prefeitura de Natal recebia do Ministério da Educação através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Somente no mês de março o volume de recursos correspondia a R$ 10 milhões – enquanto o acumulado do ano marcava pouco mais de R$ 139 milhões

Confesso que dava a conversa por finda, mas eis que meu Estado me surpreendeu novamente. A edição deste sábado da Tribuna do Norte , talvez o principal periódico destas paragens, trouxe em sua capa uma reportagem esclarecedora: nela, a Secretaria Estadual de Educação do RN afirma seu interesse em “reordenar” estudantes atualmente matriculados em escolas com menos de 100 alunos. Sem o trololó retórico, o que o Governo do RN planeja é, simplesmente, fechar escolas e, óbvio, que se danem os estudantes matriculados.

Daí você certamente se perguntará como isto é possível… Simples, ninguém liga. Estão indignados demais pelos motivos errados. Prova disso? O convênio nº 656284 de dezembro de 2009 pode lançar algumas luzes sobre o tema, já que “tem por objeto a construção de Escolas em atendimento ao Plano de Ações Articuladas (PAR) no âmbito do ‘Plano de Metas Compromisso pela Educação’”: por este convênio, entre 2010 e 2014, o Governo do RN recebeu da federação a bagatela de R$ 69,5 milhões para a construção de escolas.

No Portal da Transparência do Governo Federal, para quem quiser ver, entre recursos para construção de escolas e estruturá-las, um outro convênio de 2008 destina mais R$ 62,9 milhões para infraestrutura e projetos pedagógicos da Secretaria da Educação do RN. Assim, a pergunta primordial que todos deveríamos nos fazer é: se há dinheiro para escolas e infraestrutura, por que fechar 75 unidades educacionais?

Quem deve responder tal pergunta, creio, é um governo melancólico e medíocre. Não muito diferente de todos que fincaram suas garras neste Estado de comedores de camarão!

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Rápidas

Esse tal Sérgio Sampaio…

Uma listinha de um dos cantores brasileiros que mais admiro e que, como muitos, partiu um pouco antes da hora. Sérgio Sampaio é um dos meus favoritos e esta lista é de um disco que considero seminal: Tem Que Acontecer

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Artigos

Fargo, a Série, periga se tornar tão importante quanto Fargo, o Filme…

Fargo, A Série

Foi-se o tempo dos Enlatados. Vivemos uma nova Idade de Ouro da TV, obviamente, e, com ela, produções que têm nos feito perceber que a narrativa de ficção para TV pode ser elaborada, complexa, cativante e, de quebra, nos fazer reféns de suas múltiplas possibilidades – inclusive àquela de reciclar o que fora produzido para outros meios. Este é o caso de Fargo, do canal FX, e de From Dusk to Dawn, da Netflix, que readaptam para as telas de TV narrativas ficcionais consolidadas no Cinema.

Fargo, uma das muitas e criativas crias dos irmãos Joel e Ethan Coen para o Cinema, é de longe das melhores realizações neste novo filão das “cine-series” – quando narrativas ficcionais cinematográficas são transpostas para outros meios com a manutenção de muitos dos seus argumentos originais – e parte disso se deve ao fato dos próprios Coen participarem como produtores-executivos da série.

Entretanto, apesar do nome Fargo emprestado do filme dos Coen, a trama por trás da série é original e deve pouco à sua “inspiração” na tela grande. Este me parece, de longe, um dos principais pontos da série: buscar novas narrativas possíveis ambientadas em um espaço ficcional possível – e, creio, por isso, se distância claramente de outras séries que começam a apostar em tal filão potencial.

Billy Bob Thornton

Mas, voltemos à série… Como sua irmã dos cinemas, Fargo, a Série, é humor negro derramando por todos os poros.  Somos apresentado ao matador de aluguel Lorne Marvo (Billie Bob Thornton, de O Homem Que Não Estava Lá dos Irmãos Coen) atravessando a pacata Bemijdi, no Minnesota, quando se envolve em um acidente ao atropelar um cervo que atravessa seu carro na estrada. O que se segue é um homem desesperado, nu, escapando do porta malas do carro de Marvo e correndo em direção a uma clareira tentando escapar do matador para, depois, morrer como um picolé.

Conhecemos também o vendedor de seguros Lester Nygaard (interpretado por um impecável Martin Freeman de Sherlock O Hobbit) que reencontra um valentão dos tempos da escola e termina em um hospital da cidade com o nariz quebrado. No hospital, Nygaard tem um encontro com Marvo… A partir deste, os problemas de Lester apenas começam, já que Marvo se propõe a “resolver” seu drama pessoal com um “velho amigo”.

Martin FreemanÉ estranho, mas é a relação entre extremos e caricaturas que pontua esta série. Se em um extremo temos o pacato Lester Nygaard e sua descoberta de que interiormente não é tão pacato assim, no outro temos um matador niilista que não se faz de desentendido ao envenenar todos ao redor com o simples intuito de ver o colapso generalizado daqueles com que cruza.

Mas, antes de mais nada, é preciso reafirmar: como o filme original, Fargo é uma série violenta em doses nada homeopáticas e com litros de sangue jorrando por todos os lados. Porém, como a criação original dos Coen, é dona de um singular humor negro que é, sobretudo, vibrante.

No seu lugar, procuraria assistir esta série o mais rápido possível e, mais, torcer para que ela se torne mais um exemplo desta tal Era de Ouro da TV que ora vivenciamos, afinal, pelos primeiros seus episódios, periga se tornar tão indispensável quanto o filme que a inspira.

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Artigos, Música

O mal-estar nada aparente em Everyday Robots de Damon Albarn

Damon Albarn

Damon Albarn é um gênio da música. O foi quando esteve no Blur, se tornando onipresente através da década de 1990, e o fora também nos anos 2000 com seu Gorillaz. Sim, Albarn é gênio. Entretanto, ainda que em sua condição de bardo, isto não significa dizer que seja infalível. Esta tal falibilidade é posta à prova com sua recente investida solo, o disco Everyday Robots.

Digamos assim, sem muitos rodeios: o disco é de um mau humor monumental. Não que tal idéia seja algo ruim. Ao longo da última década tivemos toda uma produção do Radiohead, hipsters e outros sujeitos do gênero mostrando o lado soporífero da Força, mas, especialmente quando escutamos o disco de Albarn e o lamento que o atravessa, é inevitável dizer:

– Moço, menos ardor com as chibatadas, tá!?

Everyday Robots é um disco chato. Não é apenas mau humorado ou “mala” – como, por exemplo, o álbum Portishead de 1997 que, de longe, é o meu favorito quando o motivo são os dissabores do mundo -, é simplesmente chato. Dispensável, pra falar a verdade: mais parece uma sessão perdida de alguém com os cotovelos inchados parida de uma audição do The Fall do Gorillaz.

Everyday RobotsDou um desconto por ser a primeira investida “solo” de Damon Albarn – mesmo que as aspas se mostrem necessárias para afirmar isso, afinal, o sujeito atravessou a última década com mais projetos do que minhas mãos podem contar. Mas é só um desconto breve porque, do apanhado de músicas destes Everyday Robots, creio que pouco se salva – sem contar que mais parece uma sessão perdida do projeto Kinshasa One Two.

Dentre aquelas que se sobressaem, entre seus mortos e feridos, está a faixa-título. Everyday Robots, a música, estabelece uma certa conversa com um outro projeto anterior de Albarn: o álbum de Bobby Womack, The Bravest Man in The Universe. É estranho, mas a chave de resposta para que possamos compreender o quanto este Everyday Robots, o álbum, é irregular está justamente na profusão de idéias que atravessa a trajetória de Albarn.

Se nas duas últimas décadas ele se fez onipresente – seja colaborando com outros ou criando projetos buscando a expansão de sua verve criativa -, esta tal não se mostra em seu disco-solo. Hostiles parece ter saído de algum momento do The Good, The Bad & The QueenLonely Press Play, de suas experimentações hipertecnológicias para o The FallMr. Tembo, de algum momento do Plastic Beach

No fim, como disse no início, mesmo gênio, Albarn peca neste Everyday Robots por apresentar uma espécie de apanhado de sua última década, mas envolvida pelo signo da irregularidade. No fim, um disco chato: por isso, prefiro esperar a segunda vinda de Damon Albarn…

 

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