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Um disco, um romance e a memória que Flaviola e o Bando do Sol reacendem

O romance tem nome: Romance do Lua Lua e dá nome tanto à música quanto ao album de 1983 de Amelinha. O disco, por sua vez, não é o de Amelinha, mas o homônimo de Flaviola e o Bando do Sol. Um disco que conheci recentemente através de uma reedição em vinil para o album a cargo do selo Mr. Bongo.

Originalmente o disco Flaviola e o Bando do Sol foi lançado em 1974 através do selo pernambucano Solar. O álbum é pura psicodelia pernambucana em seus melhores instantes. Canções como Desespêro e Do Amigo são exemplos da lirica que a banda empresta. Há as marcas do regionalismo, dos tons de um Nordeste que flertara com a experimentação, mas, sobretudo, no disco de estréia e único de Flaviola e o Bando do Sol, estas componentes se apresentam de forma única.

O disco é a representação de uma época em Recife: a da profusão musical da primeira metade dos anos 1970. O álbum Flaviola e o Bando do Sol surge no mesmo ano do primeiro do Ave Sangria e de Molhado de Suor de Alceu Valença, alguns do expoentes do Psicodelismo Pernambucano, com sua fusão do rock’n’roll psicodélico do final dos anos 1960 e a música popular nordestina.

Mas Flaviola e o Bando do Sol exacerba ao apresentar um álbum denso, lugúbre por vezes. O disco transita entre uma alegria confusa, difícil, um misto estranho de sentidos e, talvez por isso, termine por oferecer uma paisagem que nos conforta.

Daí que uma das duas canções que encerram esta obra indispensável para que compreendamos o impacto desta psicodelia pernambucana seja um romance, uma poesia de Federico Garcia Lorca retirada de seu Romancero Gitano: quando chegamos a Romance do Lua Lua estamos vencidos por este disco complexo em todas as suas cores, tomados por um frevo psicodélico dono de uma estranha beleza que nos envolve.

Talvez por isso tenha ido buscar na memória a versão de Amelinha para o mesmo romance: a lembrança permitindo descobrir algo novo e surpreendente.

A última faixa de Flaviola e o Bando do Sol, Asas (Prá Que Te Quero), fecha esta obra prima como que nos convidando a uma inevitável celebração à mudança. Trocar de almas, de asas…

Definitivamente este disco não tem paralelo e me estranha ter demorado tanto para descobrí-lo. Por aqui, desde sua chegada, rotação constante…

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Talvez devessemos falar sobre algumas mentiras, não!?

Há algo não dito sobre as últimas eleições. Talvez “não dito”, mas pouco discutido ou discutido de um modo enviesado e, claro, alheio por vezes à real dimensão do problema que enfrentamos.

Enfrentamos e perdemos para a mentira, independentemente de quem levou a melhor nesta eleição. A desfaçatez e o jogo canhestro levaram a melhor – especialmente aquele que vem embalado para presentes com uma tag à moda #FakeNews.

O termo me constrange por ser jornalista e pesquisador da comunicação. Isto porque a informação incorreta, inverídica e, porque não, equivocada, não está alinhada às práticas tradicionais e que compõem os pilares do Jornalismo.

Sempre que ouço algum jornalista falar em #FakeNews, tenho vontade de incinerar o diploma ou qualquer outro certificado que o sujeito tenha obtido em sua tragetória.

Isso porque, desde 2016, parece que nós esquecemos que o que é fake na verdade sempre foi marrom. Marrom é a informação publicada sem as devidas apuração, verificação e análise. Este tem sido o drama do Jornalismo de hoje – com reflexos em todas as searas da Comunicação.

Miremos o que ocorre em nosso país desde 2014: tempestades e tempestades de informações difundidas sem apreço pelo fato ou simplesmente pela verdade. O efeito disso já conhecemos: a torrente de chorume despejada através das mais diferentes redes atingindo a todos e estes, inertes ou apáticos, assumiram a mentira como verdade; adotaram a maquinação como a realidade.

Este é, a meu ver, o ponto que devemos combater: os efeitos de não apenas uma, mas várias agulhas que amplificam os efeitos da informação sem fundamento em massas que não se movem como que regidas pelos meios massivos, mas, antes, pelo fragmentado universo da comunicação mediada por dispositivos/práticas digitalmente expandidas.

Lidar com tal transição implica, sobremaneira, reconhecer que nossos modos de lidar com a informação fragmentária, em expansão e afeita a intervenções simbólico-narrativas, como a das diferentes redes digitais, é frágil – e calcada em uma busca inóqua por reconhecer padrões que inexistem no digital, mas que são por este ambiente emulados.

As redes representam a esfinge das agulhas envenenadas. Decifrar o que ela tem a dizer é algo que urge. Entretanto, periga que ela nos devore pedaço ante pedaço até que percebamos o que é necessário para domesticá-la.

Enquanto isso, seguimos lidando com seus efeitos e, como recentemente, suas crias…

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