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Do Baú dos Disruptores: “Fábulas ou ‘Quando os Contos de Fadas Perdem a Compostura’”

Na primeira vez em que li alguma coisa sobre Fábulas – série da linha Vertigo da DC -, torcer o nariz foi minha reação. Não sei, mas, naquele momento, aparentemente, não estava no clima certo – somente isso para explicar o porquê de não ter sido arrebatado, como fui agora, por esta que é, desde já, uma das mais interessantes HQs dos últimos tempos.

Para muitos, Fábulas é herdeira direta de Sandman – os órfãos de Morpheus insistem nesta tecla; acredito que não é bem por aí. A série de Bill Willingham – criada em 2003 e desde então um sucesso entre os fãs de HQs – detém vida e qualidades próprias: segundo o autor, desde criança imaginava o que aconteceria se os personagens de contos de fadas e fábulas fossem retirados de seus universos originais.

Que caminhos percorreriam tais personagens? Qual teria sido o destino de Chapeuzinho Vermelho depois da morte do Lobo Mau? O que aconteceu com a Branca de Neve depois de se casar com o Príncipe Encantado? Todas as fábulas vivem felizes para sempre? Willingham formula algumas alternativas interessantes para estas e outras perguntas – algumas respostas são, na maioria das vezes, nenhum pouco infantis.

A verdade é que Fábulas – lançada no Brasil inicialmente pela Devir e agora sob os cuidados da Pixel Media – nos conduz através das desventuras das fábulas e seu exílio em nosso mundo. Expulsos pelo misterioso Adversário, muitos dos personagens das histórias de Esopo, Grimm e tantos outros buscaram refúgio em nosso mundo depois que as tropas do invasor inimigo passaram a perseguir e destruir um a um os reinos destas criaturas.

Fundaram, depois de sua chegada ao mundo dos humanos, uma comunidade conhecida como Cidade das Fábulas, nos arredores de Nova York, e, ora liderados pela Branca de Neve – depois que essa, traída pelo Príncipe Encantado, desencanou dos bonitões –, se organizam para aquela que pode ser a batalha final contra o Adversário.

No Brasil, como disse, a Devir lançou dois volumes encadernando os dois primeiros arcos de Fábulas (estes, justamente, não me chamaram a atenção inicialmente). Em junho, com o terceiro número da Pixel Magazine, a Pixel Media deu continuidade à trama.

O Último Castelo foi a aventura escolhida pela editora para reiniciar a cronologia da série por aqui: uma aventura que mostra o último reduto de resistência das fábulas contra as investidas do Adversário. Com ilustrações de Craig Hamilton e roteiro de Willingham, O Último Castelo é uma das HQs mais impressionantes que tive a oportunidade de ler: não somente por sua trama, mas pelo refinamento com que as situações paralelas transcorrem, mostrando o talento de Willingham.

Mas, se você realmente deseja entender porque Fábulas é realmente uma das melhores HQs dos últimos tempos, a sugestão é 1001 Noites cujo terceiro número está nas bancas: escrita por Willingham e ilustrada por artistas do calibre de James Jean (atualmente, capista oficial da série), Brian Bolland (A Piada Mortal e Camelot 3000) e Jill Thompson, 1001 Noites é arrebatadora.

Não apenas nos responde muitas das perguntas que figuram soltas durante a série, mas, graças à Branca de Neve, nos conduz através de uma inteligente recriação das 1001 Noites. Na aventura, em busca de apoio para a batalha contra o Adversário que se aproxima, Branca de Neve segue em direção ao mundo das fábulas do Oriente.

Branca de Neve termina prisioneira do Rei Shahryar – personagem de As 1001 Noites e, bem, um corno mal-resolvido que, noite após noite, executa suas esposas. Para livrar-se do destino de suas antecessoras, Branca de Neva passa a narrar as desventuras de seus iguais e parte de sua trajetória até a Cidade das Fábulas.

A partir daí somos apresentado ao talento de Willingham em contar histórias incríveis: 1001 Noites é um ótimo cartão de visitas para os que ainda não conhecem a série. Mordi a língua e não me arrependo: Fábulas detém todas as indicações de que se transformará em um clássico e Willingham um dos grandes escritores de HQs desta geração.

Disruptores, 16 de Agosto de 2007.

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