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Os ecos de uma Rorô raiz na vibe dessa “Noite de Climão” da Letrux

Bem, é isso mesmo. Particularmente, ouço muito do Sampaio nessa Noite de Climão da Letícia Letrux. O disco, confesso, passou batido e só agora pude escutá-lo com a atenção devida. É delicioso além da conta. Não só pela poesia e sonoridade, mas pela ironia e diálogo que ela trava com a noite, com seus personagens e amores/desamores.

Poderosa, a moça sabe bem o terreno em que pisa. Lembra o veneno de uma Angela Rorô naqueles tempos que ficaram lá atrás entre o fim dos anos 1970 e primeira metade dos anos 1980: veneno, paixão e sabor na medida para despedaçar seu coração ou para inspirar uma noite de “pé na jaca” daqueles.

Canções como “Ninguém Perguntou por Você” e “Noite Estranha, Geral Sentiu” virariam fácil fácil companhia para algumas garrafas entornadas por este sujeito velho que escreve estas linhas. “Além de Cavalos”, por exemplo, é daquelas canções com a qual você certamente atravessaria uma pista de dança em direção ao bar – e não porque não seja excelente, mas porque sua bebida terá terminado e você precisa reabastecer.

Como disse, há Rorô de montão nessa Noite de Climão da Letrux. Há também o Sampaio moleque, inveterado, que se diverte com a poesia e as garrafas. Todos passeiam na boa pelos timbres impressos que elevam esse disco ao patamar das grandes belezuras destes tempos esquisitos.

Noite de Climão é o retrato de uma noite potencialmente massa, potencialmente troncha, mas uma noite para não esquecer e curtida a valer. Fazia tempo que não escutava um disco com uma vibe tão marcante.

Parabéns, moça: vamos tomar uma qualquer dia e jogar conversa fora…

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Um disco, um romance e a memória que Flaviola e o Bando do Sol reacendem

O romance tem nome: Romance do Lua Lua e dá nome tanto à música quanto ao album de 1983 de Amelinha. O disco, por sua vez, não é o de Amelinha, mas o homônimo de Flaviola e o Bando do Sol. Um disco que conheci recentemente através de uma reedição em vinil para o album a cargo do selo Mr. Bongo.

Originalmente o disco Flaviola e o Bando do Sol foi lançado em 1974 através do selo pernambucano Solar. O álbum é pura psicodelia pernambucana em seus melhores instantes. Canções como Desespêro e Do Amigo são exemplos da lirica que a banda empresta. Há as marcas do regionalismo, dos tons de um Nordeste que flertara com a experimentação, mas, sobretudo, no disco de estréia e único de Flaviola e o Bando do Sol, estas componentes se apresentam de forma única.

O disco é a representação de uma época em Recife: a da profusão musical da primeira metade dos anos 1970. O álbum Flaviola e o Bando do Sol surge no mesmo ano do primeiro do Ave Sangria e de Molhado de Suor de Alceu Valença, alguns do expoentes do Psicodelismo Pernambucano, com sua fusão do rock’n’roll psicodélico do final dos anos 1960 e a música popular nordestina.

Mas Flaviola e o Bando do Sol exacerba ao apresentar um álbum denso, lugúbre por vezes. O disco transita entre uma alegria confusa, difícil, um misto estranho de sentidos e, talvez por isso, termine por oferecer uma paisagem que nos conforta.

Daí que uma das duas canções que encerram esta obra indispensável para que compreendamos o impacto desta psicodelia pernambucana seja um romance, uma poesia de Federico Garcia Lorca retirada de seu Romancero Gitano: quando chegamos a Romance do Lua Lua estamos vencidos por este disco complexo em todas as suas cores, tomados por um frevo psicodélico dono de uma estranha beleza que nos envolve.

Talvez por isso tenha ido buscar na memória a versão de Amelinha para o mesmo romance: a lembrança permitindo descobrir algo novo e surpreendente.

A última faixa de Flaviola e o Bando do Sol, Asas (Prá Que Te Quero), fecha esta obra prima como que nos convidando a uma inevitável celebração à mudança. Trocar de almas, de asas…

Definitivamente este disco não tem paralelo e me estranha ter demorado tanto para descobrí-lo. Por aqui, desde sua chegada, rotação constante…

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Talvez devessemos falar sobre algumas mentiras, não!?

Há algo não dito sobre as últimas eleições. Talvez “não dito”, mas pouco discutido ou discutido de um modo enviesado e, claro, alheio por vezes à real dimensão do problema que enfrentamos.

Enfrentamos e perdemos para a mentira, independentemente de quem levou a melhor nesta eleição. A desfaçatez e o jogo canhestro levaram a melhor – especialmente aquele que vem embalado para presentes com uma tag à moda #FakeNews.

O termo me constrange por ser jornalista e pesquisador da comunicação. Isto porque a informação incorreta, inverídica e, porque não, equivocada, não está alinhada às práticas tradicionais e que compõem os pilares do Jornalismo.

Sempre que ouço algum jornalista falar em #FakeNews, tenho vontade de incinerar o diploma ou qualquer outro certificado que o sujeito tenha obtido em sua tragetória.

Isso porque, desde 2016, parece que nós esquecemos que o que é fake na verdade sempre foi marrom. Marrom é a informação publicada sem as devidas apuração, verificação e análise. Este tem sido o drama do Jornalismo de hoje – com reflexos em todas as searas da Comunicação.

Miremos o que ocorre em nosso país desde 2014: tempestades e tempestades de informações difundidas sem apreço pelo fato ou simplesmente pela verdade. O efeito disso já conhecemos: a torrente de chorume despejada através das mais diferentes redes atingindo a todos e estes, inertes ou apáticos, assumiram a mentira como verdade; adotaram a maquinação como a realidade.

Este é, a meu ver, o ponto que devemos combater: os efeitos de não apenas uma, mas várias agulhas que amplificam os efeitos da informação sem fundamento em massas que não se movem como que regidas pelos meios massivos, mas, antes, pelo fragmentado universo da comunicação mediada por dispositivos/práticas digitalmente expandidas.

Lidar com tal transição implica, sobremaneira, reconhecer que nossos modos de lidar com a informação fragmentária, em expansão e afeita a intervenções simbólico-narrativas, como a das diferentes redes digitais, é frágil – e calcada em uma busca inóqua por reconhecer padrões que inexistem no digital, mas que são por este ambiente emulados.

As redes representam a esfinge das agulhas envenenadas. Decifrar o que ela tem a dizer é algo que urge. Entretanto, periga que ela nos devore pedaço ante pedaço até que percebamos o que é necessário para domesticá-la.

Enquanto isso, seguimos lidando com seus efeitos e, como recentemente, suas crias…

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Um pouco de caos para adoçar a vida de todos com boa dose de merda…

Olha, estou amargo. Desde o último domingo, amargo para caralho. Não apenas porque mais de 50 milhões de almas decidiram nadar voluntariamente em uma piscina de chorume, mas por estes acreditarem ainda que, como num lance de mágica, tudo será radical e realmente transformado em um verdadeiro e perfeito paraíso.

Deixa explicar para os incautos: não, isto não acontecerá. Não aconteceu em nenhum momento dos últimos 500 anos e não acontecerá agora por força de uma trupe de patetas que levou o comando do país com um discurso mais raso que um pires. E por que alguém em sã consciência escolheria mergulhar, nadar e refesterlar-se em uma piscina de chorume como a que está posta agora?

Bem, dizem que a pós-verdade está aí para desafiar nossas crenças no pensamento racional, mas creio que o nome disso é realmente mentira… A Mentira, com capitular e tudo, venceu esta eleição e, pior, os eleitores se esbaldaram com ela até não mais poder.

Aquele seu amigo dirá que foram as tais #FakeNews; eu digo que foi a canalhice em sua forma mais pura, simples e cristalina, adotada como tônico por muitos e tomada em litros, que nos conduziu até aqui.

– E o que nos reserva o porvir, Alexandre? – você pergunta.

Bem… Estamos nos deslocando rapidamente para uma grande e inexplicável travessia. Não que esta seja potencialmente uma aventura simples, não diria isso: o que digo é que inevitavelmente estaremos juntos despencando em breve para nos encontrarmos do outro lado desta empreitada a qual não fui convidado – tipo aquele “festa pobre que os homens armaram pra me convencer” e que o Cazuza se referiu certa vez.

Estamos despencando. Alguns esperam que façamos isto abraçados, esperando o melhor. Do meu lado, sinto dizer, prefiro cair distante de vocês, observando, acompanhando cada momento desta nossa queda, esperando o que dela resultará porque, no final, quando chegarmos ao final desta, talvez nos levantemos melhores.

Eu, sim. Você, bem, não sei… Não nos conhecemos mais e é melhor que seja assim, não acha!?

Boa sorte na queda.

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Política

Luto é verbo, meus amigos. E a Democracia vale a luta…

Luto é Verbo!

Desconstrução, Desmonte, Dilapidação. Estes serão os termos daqui por diante. Com a saída de Dilma Rousseff da presidência através do “golpe constitucional” referendado neste dia 12 de maio pelo Senado brasileiro, o que vem a seguir é de todo previsível. As pistas estão dadas através dos noticiários e das páginas dos jornais e revistas: a primeira fase, a da desconstrução, deve iniciar-se imediatamente.

Para tanto, todas as “mazelas” das gestões petistas serão lançadas aos cães. Não importarão os avanços no Social e na inclusão, mas, antes, como forma de agrado ao mercado e à turba de beócios que espumavam – e espumam – pelo golpe, interessa demonstrar que as escolhas petistas fizeram a “máquina pública crescer demasiadamente”, que o governo interino de Temer deverá “cortar a própria carne” para “reduzir o tamanho do estado” e que a população em geral “deverá estar preparada para o sacrifício”. Este é o discurso para o mercado: para este, a desconstrução é urgente e imprescindível…

Teremos o desmonte. As conquistas das gestões petistas, após a descontrução, deverão ser desmontadas. O projeto Ponte para o Futuro do PMDB do interino Michel Temer descreve bem este caminho com sugestões para “privatizar tudo o que for possível”. A privatização é apenas um momento, antes, urgente para os interesses do mercado e da Casa Grande, é necessário desmontar: é no desmonte que conquistas como os institutos federais de educação tecnológica e as universidades públicas federais passarão por seus momentos mais difíceis.

O discurso será que esta estrutura não deve ser responsabilidade do Estado, mas, sim, do mercado: a iniciativa privada terá que assumir tal e, portanto, nega-se o direito à educação previsto constitucionalmente. O desmonte também passará pelos programas sociais, especialmente o Bolsa Família – que, como dito por alguns, deve ter seu espectro reduzido e atingir apenas 5% da população pobre do país. O desmonte nega a inclusão, o resgate. Ele, o desmonte, passa pelas empresas públicas também.

Esta é a etapa seguinte, a dilapidação. Não é de admirar que o foco seja a Petrobras. Mas, antes, as reservas do pré-sal. Não apenas: com a ascensão de Temer, tudo passa a ser mercadoria em um grande balcão de negócios. Não à toa, a grita do senador e agora ministro das Relações Exteriores, José Serra, mais encorpado e capaz de negociar lá fora o produto do desmonte. Na dilapidação, como na década de 1990, vão-se o que se pôde produzir no país, não só sua matéria-prima, mas a infraestrutura desenvolvida/recuperada pelas gestões petistas.

Assim, o momento não é de um governo fruto de conspirações e um golpe que chega ao poder, mas a derrota de uma Democracia que durante pouco respirou algo para os seus. O Brasil envereda novamente pelo caminho que a Casa Grande escolheu: não pelo voto dos seus, mas pela força daqueles que, derrotados e inconformados com a distância do poder, cresciam seus dentes para abocanhar a botija. Bem vindos a um outro país. Não o tal “país do futuro”, mas um acostumado a “repetir o passado”.

A nós, resta tão somente resistir. Sempre.

Luto é verbo, meus amigos. E a Democracia vale a luta…

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Política

A Democracia voltará, mas, antes, desce o pano e ela sai de cena…

Gosto de imaginar que isso que ora acomete nossa jovem democracia vai passar. Mas, de volta à realidade, pego pelas sempre tenebrosas transações dos nossos, sei que não é por aí…

O que hoje se desenrola no Senado da República, depois do espetáculo patético protagonizado na Câmara dos Deputados, é o fim da democracia. Não há outra maneira de dizê-lo. Nossa jovem democracia foi pega na esquina da realidade e neste exato momento é violentada enquanto nós, atônitos, apenas reclamamos uns dos outros.

Vai passar? Talvez. Provavelmente, não. Não porque sequer aprendemos o valor que tem o voto: e a prova disso é que, como eu, certamente você deve ter escutado alguém reduzindo a importância do ato de votar. O voto que, sabido, representa o que temos de mais valioso em tempos negros: a capacidade de decidir nossos caminhos.

Assim, o que mais me ofende nesta que tenho definido como uma “ópera bufa patética protagonizada por atores da mais baixa envergadura” é a percepção de que através de tal arranjo o voto, sempre ele, mais uma vez é ignorado.

Não me engano em pensar que nossos deputados e senadores têm em mente a percepção de que estão “corrigindo” aquela decisão tomada por 54 milhões de brasileiros que elegeu Dilma Rousseff: corrigem aqueles que consideram inaptos, ignorantes, infelizes, ingratos e outras visões que a Casa Grande insiste em pregar.

Amanheci hoje em uma democracia definhando, atraiçoada, vitimada por aquilo de pior produzimos desde muito. Uma democracia traída novamente pelos vermes de sempre.

Confesso que escrevo com um ódio dilacerante que golpeia incessantemente meu espirito; um ódio inexplicável por um povo que sequer sabe o valor que a Democracia detém; um ódio pela apatia e esta tal “cordialidade” que entorpece os sentidos e a noção de urgência de nosso povo – não aquele que veste verde e amarelo, mas os que se aglomeram nas periferias.

A Democracia brasileira vai dormir hoje. Como disse Chico, “sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”…

Mas, como o mesmo Chico Buarque disse certa vez, amanhã vai ser outro dia e os galos cantarão novamente: um após outro e, desse cantar, ela, a Democracia, voltará a brilhar e saberá afastar aqueles que a golpearam neste dia.

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Artigos, Música

Regravando, refazendo…

Nunca escutei a Taylor Swift. Não por nada, mas ela não é o tipo de musa pop que me chama a atenção. Em algum momento a Madonna fez isso; nos anos 1990-2000, a Britney Spears também. Mas, mais que elas, a maneira como alguns grupos que admiro se apropriaram das canções destas musas me levaram a perceber algo além.

Versões como Like a Virgin ou Baby, One More Time, pelos escoceses do Teenage Fanclub e Travis, ou mesmo a desconstrução que os moços do Sonic Youth promoveram ao (sub)verter o clássico Into The Groove de Madonna ou Superstar dos Carpenters, me permitiram atentar para este flerte entre o pop e as diferentes variantes do rock’n’roll. Não tenho nada contra covers, mas, pela profusão de discos dedicados às releituras de outros artistas, vivemos um momento interessante…

Experiências como aquelas protagonizadas pelo Flaming Lips – com releituras de clássicos como The Dark Side of The Moon ou Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – ou mesmo outras ainda mais inspiradas como o The Walkmen decidira regravar o álbum Pussy Cats de Harry Nilsson, para ficar em exemplos recentes, não são novidade, se considerarmos que já na década de 1970 Booker T. & The M.G.’s desmontaram um clássico como Abbey Road, dos Beatles, e nos entregaram com algo ainda mais brilhante: seu McLemore Avenue.

Voltando ao início, nunca me interessei pela sonoridade de Ms. Swift. Mas, confesso, a curiosidade me motivou a conferir o que canadense Ryan Adams fizera ao regravar 1989, álbum mais recente da moça, e imaginar o quão estranha esta combinação seria. Na verdade, fui surpreendido…

A surpresa foi por perceber que aquele disco que sequer escutara na voz de sua dona – exceção das onipresentes Shake It OffBad Blood – me parecera algo especial.

 

 

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Artigos

A Estrela Negra terá que esperar um pouco, pois ainda lamento…

David Bowie (1947-2016)

Que me perdoem os amigos, mas não quero lembrar de David Bowie por este último disco. Dirão alguns que tudo estava lá, sua transição, a transformação necessária para os que por Ela esperam…

Enfim… Prefiro deixar Black Star suspenso em algum lugar da minha coleção, esperando, maturando; prefiro escutá-lo quando uma certa urgência finalmente for determinante. Ainda tento assimilar com meus botões e alguma música  a morte repentina – ou não tão assim – dele. Fiquei atordoado por acordar com a notícia de que ele morreu, confesso…

Porque, bem, não é fácil quando um de seus heróis morre… Não qualquer herói, mas aquele que mais lhe dizia sobre muito. Por isso, especialmente no caso de Bowie, é algo difícil: ele está naquela foto em preto e branco junto a Lou Reed e Iggy Pop; ele é parte daquela “Trindade” de heróis; ele era daqueles que sempre estiveram por aí comigo – no headphone, em casa, quando penso em música, enfim, sempre.

Bowie esteve nas mais diferentes fases dessa minha travessia: ele foi uma das minhas primeiras imagens ainda nos 80, requebrando malemolente com Mick Jagger; eu o vi atravessando as sombras dos anos 1990; o vi se reinventar nos anos 2000 e algo, mas, sempre, desafiante e revolucionário… Em todos estes momentos Bowie sempre foi mais.

Talvez por isso não queira lembrar de Bowie por um disco que, sim, penso como menor; um disco que, mesmo celebrando a vida, nos conduz à despedida. Creio que esta é a questão: não quero me despedir porque Bowie era essa tal força da natureza de potência criadora/inspiradora inigualável.

Pense nisso e reflita por um instante o quão aquela lista de bandas e música que você adora foi influenciada por alguma faceta desse moço estranho, de olhos estranhos e estranhamente inovador – e que nos apresentou de Ziggy a Thin White Duke nas mais diferentes reconfigurações/metamorfoses destes.

Dizer um até logo para David Robert Jones parece fácil mas não para David Bowie, meus amigos. Dizer adeus para o sujeito que pautou tendências na música, comportamento, fotografia, artes plásticas, cinema e tecnologia – para ficarmos nos mais óbvios – não é tarefa fácil.

Me atrevo a dizer que o mundo hoje se transformou em um lugar mais árido, sem graça, sem gosto, com a morte de Bowie.

Me atrevo a dizer que mesmo com sua história, arte e legado, me entristece saber que provavelmente ninguém terá potencial de realizar algo tão vibrante, inovador, vivo quanto este moço de Brixton….

Vá em paz moço e saiba que sua música ecoará para sempre: aquela Estrela Negra me esperará por um tempo, mas vou procurá-la em breve.

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Artigos, Televisão

As séries televisivas para além dos enlatados…

Breaking BadPertenço à geração que conviveu com a cantilena insuportável de que as séries de TV representavam uma forma estranha de anestesia e dominação coletiva destinada a contaminar e desvirtuar espectadores da América Latina e a transformar os cérebros destes em poleguinho – tem até música da Legião Urbana que aborda o tema, para termos uma idéia do drama…

Porém, quem nunca encarou um “enlatado americano”, que atire a primeira pedra… Sou fã de séries de TV desde os tempos em que falar sobre elas em círculos de amigos era um pecado mortal e posso afirmar que elas, as séries, integram meus referenciais sobre narrativas audiovisuais com demasiada relevância.

Como desconsiderar o impacto cultural televisivo de séries como Arquivo X Millennium ou Twin Peaks – algumas delas apontadas como fundamentais para o cenário atual do drama audiovisual-televisivo? Para Brett Martin, autor de Homens Difíceis – livro que traça uma cronologia desta recente Idade de Ouro da TV -, o momento-zero da revolução atual que vivenciamos com as séries de TV se dá em algum momento entre Oz, Sex And The CityOs Sopranos. À sua maneira, cada uma destas estabeleceram as bases para as mudanças que ora vivenciamos nas telas de nossas tevês – e, mais, para além destas.

Assim, discutir o lugar ocupado pelas séries de TV entre as diferentes formas audiovisuais implica reconhecer a dimensão complexa e as diferentes transformações que alteraram o entorno desta forma de entretenimento: produções recentes como Mad MenBreaking BadGame Of Thrones ou True Detective – para ficarmos em algumas – evidenciam a revolução nas narrativas dramáticas audiovisuais que, mesmo voltadas preferencialmente para a TV, ultrapassam os limites desta, escorregam por entre os dedos de tal meio e oferecem novas possibilidades para este…

The Sopranos - Photo Credit: Will Hart / HBO

The Sopranos – Photo Credit: Will Hart / HBO

Estas narrativas dramático-televisivas têm contribuído não apenas para expandir nossos modos de consumir/ver TV, mas, ainda, oferecem possibilidades e desafios para aqueles que produzem conteúdos para tal mídia: da expansão das narrativas em diferentes ambientes/formatos ou da experimentação destas em outros e igualmente diversificados suportes, um dos principais desafios aos criadores tem sido o de flertar, convencer e cativar espectadores em tempos de completa diversidade em um ecossistema de experiências comunicacionais complexas; de fazê-los compreender e torná-los participes de um ambiente ecológico-comunicacional com diferentes nuances e artefatos.

É fato que produções como Os Sopranos, para ficarmos em um dos estopins desta nova fase das séries, contribuíram ao estabelecimento de uma revolução para o meio: até meados da década de 1990 do século passado, o drama televisivo representava  um espaço para os iniciados, um artefato cultural menor frente, por exemplo, ao Cinema. Produções como Os Sopranos ou, algo mais recente, True Detective impulsionam não apenas um meio/mídia mas engendram através das telas o estabelecimento de uma linguagem ampliada e elaborada que expande o gênero ficcional-televisivo.

Esta é a lógica que ora transforma a tevê e o mundo das séries: como quando uma proposta como a do Netflix e sua lógica do streaming audiovisual explicitam os caminhos/descaminhos da narrativa ficcional dramático-televisiva contemporânea fazendo a experimentação de um produto audiovisual ultrapasse a tela do televisor e, a partir de outras telas, de outras formas de experimentar possíveis, de outros meios de chegar aos seus, possibilitem a expansão de um artefato cultural, de seu consumo adaptado e de sua recontextualização.

Os serviços de streaming audiovisual e os canais por assinaturas das redes a cabo de televisão vêm despontando como as pontas de lança desta transformação. Os investimentos de grandes como a Amazon – que decidira criar seu próprio núcleo de produção dedicado às narrativas ficcionais seriadas – ou AMC provam que o gênero ainda não encontrou maiores limitações. Assim, ainda é cedo para estimar com clareza o impacto e a profundidade deste na expansão protagonizada por esta nova idade de ouro da televisão, porém podemos afirmar que as narrativas ficcionais televisivas vêm expandindo os modos e a própria indústria da TV.

 

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Artigos, Televisão

True Detective e o início de uma outra tensa e estranha jornada…

True Detective - Trecho Abertura

O que poderíamos dizer sobre o início desta segunda temporada de True Detective, meus amigos? Depois de uma primeira temporada que ficou marcada a ferro nas retinas de meio mundo – até daqueles que ainda teimam em nutrir descrença quanto a esta tal Idade de Ouro da Televisão – o que Nic Pizzolatto, criador e showrunner da série, poderia nos oferecer? Bem, em uma resposta rápida: outra espiral de personagens auto-destrutivos, eventos estranhos/esquisitos e algumas mortes, claro.

O episódio de estréia da nova temporada, The Western Book of The Dead, periga colocar em curso uma nova jornada literário-televisiva como aquela que, na primeira temporada, obrigou um sem número de neófitos a se esgueirarem pelas artimanhas ficcionais de Robert W. Chambers, sua mitologia de Carcosa e seu Rei de Amarelo: há um livro estranho – na verdade, dois – que se veste com as mesmas cores existenciais e que aparentemente atravessa algo da trama. Mas, creio, o que na primeira temporada parecia uma linha que atravessava uma trama, este tal Livro dos Mortos não terá muita serventia…

Há uma atmosfera frágil e tensa quando somos apresentados ao detetive Ray Velcoro (Collin Farrell) enquanto deixa seu filho na escola: já ali poderíamos cortar a tela, tamanha a tensão que toma conta dos primeiros minutos da série. Uma tensão que se mantém quando percebemos o nascimento do aparente entendimento entre Velcoro e o gangster – e sugerido vilão – Frank Semyon (Vince Vaughn).

São também tensas as apresentações dos também policiais Ani Bezzerides (Rachel McAdams) e Paul Woodrugh (Taylon Kitsch) – ambos envolvidos por uma componente sexual que, bem, se desenvolverá durante os próximos capítulos. A personagem de McAdams, no entanto, já demonstra uma complexidade aparente quando somos apresentados a seu pai – um guru Eliot, interpretado por David Morse – e ao verdadeiro nome da personagem: Antigona… A partir daí, façam suas apostas para mais um carrossel literário-televisivo.

truedetective_s0201aPara muitos, o primeiro episódio desta primeira temporada certamente parecerá algo tanto morno… Porém, especialmente para os que assistiram o primeiro episódio da primeira temporada de True Detective antes de seu hype, esta é a natureza da série e do desenvolvimento de seus diversos núcleos: cada personagem mostrado em suas nuances e particularidades; cada evento desenvolvendo mais e mais aqueles envolvidos pela trama. Talvez por isso a direção de Justin Lin neste primeiro episódio da segunda temporada da série mostre pouco do que pretende.

O grande mérito deste primeiro episódio – e da direção de Lin – foi a manutenção das diferentes tensões que envolvem os personagens e a convergência destas até o pretenso “climax” final. Assim, quando no último momento todos os integrantes deste novo embate entre gatos e ratos se colocam dispostos no limite entre duas cidades e diante do corpo de um até agora desconhecido e excêntrico Ben Caspere, o que podemos apenas dizer é que os capítulos desta trama que emula os limites do que é viver e morrer neste ocidente prometem muito…

Assim, que venham os próximos capítulos deste novo movimento de Nic Pizzolatto em sua busca por superar o sucesso de sua primeira cria, porque, mesmo cedo, dada a disposição dos jogadores, esta nova temporada de True Detective aparenta reservar algumas boas surpresas…

PS. Somente pela abertura, a série já ganha todos os pontos possíveis para tal quesito: mantiveram o nível da anterior e a expandiram…

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