Crítica, Games

Se você não gostou de “The Last Of Us – Part II”, sinto: você não entendeu porra nenhuma, fera!

Enquanto escrevo estas impressões sobre The Last of Us – Part II, novo jogo da Naughty Dog que retoma a história de sobreviventes em um mundo distópico pós-apocalíptico devastado por uma pandemia que transforma seres humanos em criaturas “vegeto-esponjosas”, o Metacritic registra uma divisão: enquanto a crítica especializada atribui uma nota média de 94 pontos de um total de 100, os usuários do mesmo site derrubaram a avaliação do jogo para uma média de 51 pontos.

O que temos em relação ao jogo é uma conflagração, uma disputa entre dois polos que detêm suas motivações e algumas dessas são, senão estúpidas, beirando perspectivas do medievo ou antes disso: devem ser desconsideradas por carregarem desinformação, preconceito e uma cretinice reacionária fétida e bolorenta. São os fantasmas de um mundo inexistente e mais assustador que aquele do jogo.

Assim, falemos de The Last of Us – Part II e deixemos a fauna reacionário em seu cantinho ruidoso…

O jogo é brilhante. Não só por sua narrativa que nos conecta aos dois polos de uma narrativa que se entrecorta e se busca para compor um mosaico sobre medo, perda, raiva, ódio e, finalmente, compreensão e, claro, perdão. Por isso qualquer tentativa de reduzir The Last of Us – Part II a questões de costumes expressará uma minimização ou incompreensão que não sobrevive aos primeiros movimentos da trama – que é longa, com quase 30 horas de duração se o jogador optar por não enveredar por todos os elementos da trama e seus achados.

É um jogo belíssimo, diga-se…

Não é só a história, claro: mas é a história também. E a história contada em The Last of Us – Part II é descomunal em muitos sentidos. É a pura desconstrução de um mundo fragmentado em que os seus buscam por humanidade. Pode parecer estranho, mas a trama gira em torno desses pressupostos. Quando Joel encontra Abby nos primeiros minutos da história, há lampejos de humanidade – colaboração, empatia, amizade -, mas esses são confrontados por aquele ambiente distópico e a “nova normalidade” ali expressa (seja em Ellie recebendo um “sanduíche de intolerância”, seja na fatídica tocaia contra Joel): um mundo que afunda no caos tenta encontrar seus resquícios para reuni-los em algo inteligível.

The Last of Us – Part II é uma experiência, meus amigos. Quem se ofendeu com o que está lá disposto não parece ter entendido que aquela é uma pequena alegoria sobre nossos dias: um mundo devastado até suas bases mais fundamentais por uma pandemia em escala global e que faz ascender o que temos de pior.

Os primeiros minutos de jogo exprimem uma normalidade ante o caos, mas em pouco tempo Ellie, Dina, Joel e Tommy experimentam a realidade. É partir daí que ingressamos em uma espiral que nos vincula a um dos mais brilhantes jogos dos últimos tempos: The Last of Us – Part II salta aos olhos quando nos segura para que possamos experimentar esta travessia através das ruas de uma Seattle arrasada por milícias armadas, clãs religiosos ensandecidos e monstros que não parecem piores que os que ainda se apresentam como “humanos”

Mas é no desenrolar da trama, com as escolhas e o que as demais pessoas fizeram daquela realidade, que somos apresentados às situações e dramas que tornam a narrativa ainda mais complexa: enquanto jogamos com Ellie ou Abby, o jogo nos obriga a lidar com um complexo mosaico de situações, sentimentos e decisões que, mais que nos fazer jogar, nos interroga sobre o que está posto como “jogo” e narrativa.

The Last of Us – Part II não é simplório e, até seu igualmente contundente final, somos embalados por uma narrativa que não nos deixará impassíveis a tudo o que experimentamos. A comparação com A Estrada de Cormac McCarthy me parece inevitável porque, como o livro, The Last of Us – Part II nos devasta a cada página, a cada situação absurda e aterradora – e é justo isso que nos leva a ter esperança.

Talvez você tenha caído nas armadilhas misóginas em torno da trama; talvez você tenha dado trela à fala predominante de uma turba de pretensos supremacistas e fascistinhas sub-letrados que espumaram bile contral este The Last of Us – Part II

O que posso dizer é bastante simples: se este jogo não mexeu com você, é porque não entendeu absolutamente nada sobre o jogo, sua lógica e a realidade que nos cerca contemporaneamente.

Sinto, mas The Last of Us – Part II é um dos jogos mais brilhantes já produzidos. O tempo confirmará…

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Bioshock Infinite ou “O Que Está no Alto é Como o Que Está Embaixo”

Bioshock Infinite

Talvez cometa algum pecado por isso, mas acredito que Bioshock é a franquia de jogos definitiva: a melhor de seu gênero e a mais criativa narrativa já concebida para o universo dos games. Acabo de concluir o terceira aventura da franquia, Bioshock Infinite, e não consigo encontrar adjetivos o suficiente para dar conta da sensação que o jogo me causou.

– Ô, véi: é só mais um FPS – dirão. Porém, desde o primeiro Bioshock e seu enredo distópico e calcado em um estética mesclando steampunk  – com a atmosfera retrô cinquentista e um ar noir sempre à espreita – me senti envolvido não apenas pela jogabilidade, mas pela narrativa que os estúdios 2K desenvolveram – naquele primeiro momento, para a cidade submarina de Rapture seus “autômatos”, suas crianças bizarras e insanos idem.

A questão é que, depois de uma segunda aventura em Rapture, a 2K resolveu inovar e expandir um pouco mais a narrativa. Daí que fomos brindados com Bioshock Infinite, terceira aventura da franquia e, com ela, descobrimos a cidade nas nuvens de Columbia e seus moradores que decidiram se afastar dos mundanos e seguir o messiânico Zachary Comstock rumo aos céus.

Uma coisa precisa ser dita: o trabalho de arte e recriação da estética dos anos 20 produzida pelo estúdio para Bioshock Infinite impressiona: uma cidade inteira nas alturas regida pela perspectiva tecnológica da revolução indústrial e suas grandiosas máquinas à vapor. Além disso, a trama é de uma complexidade narrativa inebriante.

Bioshock-Infinite-02

Encarnando o detetive particular Booker DeWitt, o jogador é apresentado à grandiosidade de Columbia e seus devotados moradores. DeWitt está à procura de jovem Elizabeth – também conhecida como “a Ovelha de Columbia”: uma misteriosa garota que foi sequestrada pelo reverendo Zachary Comstock e aprisionada no alto de uma torre protegida pelo monstro Songbird.

Agora, imagine uma cidade de fiéis fundamentalistas que de uma hora para a outra descobrem que você é a encarnação do mal. Pois bem, este é o mote dos primeiros momentos de Bioshock Infinite: DeWitt é perseguido e atacado por moradores que o têm como a verdadeira ameaça divina enviada para destruir o sonho criado pelo por Comstock. A partir daí, somos apresentados aos conflitos que movimentam Columbia e sua verve sulista – especialmente a luta de Comstock contra os revolucionários da Vox Populi (um grupo que luta contra a segregação e degradação que atinge às camadas menos favorecidas da “cidade dos céus”).

Bioshock Infinite tem um roteiro repleto de mudanças, de transformações e transições vertiginosas. Alías, a vertigem é parte da jogabilidade deste game e este é um dos seus grandes achados. Toda a ação de Bioshock Infinite acontece em uma cidade construída nos céus e conectada por linhas de metal semelhantes àquelas utilizadas em carrosséis. O jogador, logo nos primeiros instantes de Bioshock Infinite é presenteado com um dispositivo que, além de servir para nocautear ou decapitar seus oponentes, permite que ele deslize por tais linhas e imprima no jogador uma sensação de vertigem constante.

Além de seus ganchos, DeWitt conta com as armas que coleta ao longo de seu caminho ao resgate de Elisabeth, os estranhos vigores – garrafas que ele coleta pelo caminho e que concedem àquele que as bebe poderes e a possibilidade de criar armadilhas fatais para seus inimigos – e os equipamentos que podem ser combinados para garantir maior eficiência contra os ataques dos muitos inimigos que surgem por toda Columbia.

A criação deste mundo imaginário é algo a parte no jogo: é evidente o esforço dos desenvolvedores da 2K, especialmente quando analisamos este Bioshock Infinite, para a criação de uma experiência de sonho, combinando diferentes elementos de ficção científica em uma narrativa/atmosfera cativante em vários aspectos. Tomemos por exemplo a sequência final do jogo: a aventura termina em um verdadeiro emaranhado metafísico onde presente, passado e futuro dialogam em suas infinitas possibilidades – e todo estes emaranhado ficcional nos leva ao cerne da história.

Bioshock InfiniteA questão não estava na busca por alguém ou algo, mas nas revelações imbutidas em tal busca. Bioshock Infinite, como o próprio nome sugere, se transforma em algo além, interligando todas as aventuras anteriores da franquia em uma espiral complexa de eventos. Este me parece o principal mérito do jogo: estimular no jogador não apenas o apego à narrativa apresentada, mas como esta se relaciona com as demais histórias que compõem tal universo ficcional.

Bioshock Infinite transformou verdadeiramente sua franquia quando deciciu expandí-la ao infinito. Palmas para seus desenvolvedores por apresentar uma aventura de primeiríssima linha e, porque não, indispensável.

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