Crítica, Música

O Fantasma do Sampaio pairando sobre a cabeça de Tatá

Há algum tempo percebo o fantasma de Sérgio Sampaio pairando sobre a cabeça de Tatá Aeroplano – seja em seu homônimo primeiro trabalho quanto nesta nova investida, o recente Na Loucura & Na Lucidez. Entendam-me, não que veja nisto um problema, mas justo o seu contrário: desde Pareço Moderno, do Cérebro Eletrônico – uma das diferentes casas de Tatá, juntamente com o Jumbo Elektro -, até este segundo álbum solo, o moço dá a impressão de ter derrubado em todas as garrafas possíveis e se abraçado aos livros para chegar a tal peculiar estado de graça musical.

Um estado, diga-se, no qual se digladiam as angústias individuais, os dissabores das coisas ao nosso redor e aquela urgência libertadora em jogar tudo pro alto. A combinação destes se transforma em lamentos únicos – algo da substância que envolve este Na Loucura & Na Lucidez.

Confesso ter chegado bem atrasado, é verdade, ao conferir a investida-solo do moço – o homônimo, Tatá Aeroplano, só conferi há alguns dias. Entretanto, mesmo sendo um dos últimos da fila, preciso dizer que Tatá já se notabiliza como dono de alguns dos trabalhos mais felizes da nova safra da música brasileira.

Isso porquê não contém o ranço insuportável que paira sobre alguns dos que articulam a tal MPB recente, mas propõe uma expansão, um “quê” que pretende lançar nossa música para frente – mesmo, como percebo, olhando no retrovisor aqueles que ofereceram o seu melhor e pagaram o preço por isso. Por isso, Sérgio Sampaio. Quando disse que o fantasma do sujeito paira sobre Tatá é por reconhecer que ele o atravessa por sua acidez, irreverência e urgência.

Este último adjetivo, me parece, dá o tom deste novo disco de Aeroplano: há uma urgência nas composições, no cantar, no sentido das músicas e como elas nos afetam – uma prova, Na Lucidez abrindo o disco. Este me parece o grande valor desta sua segunda investida-solo e é com ele que o sujeito afirma seu lugar como um dos grandes compositores de sua geração.

Penso, por exemplo, na irônica Amiga do Casal de Amigos que dialoga com a superficialidade, a solidão, a individualidade. Há uma estado de ironia que atravessa o disco e que se faz sintetizada na faixa – a do sujeito entregue à ironia da própria sorte em uma noite, mas percebe que esta noite foi igualmente irônica.

Onde Somos Um, nova parceria com a cantora Bárbara Eugênia – ela colaborara com Aeroplano no primeiro disco-solo -, também é uma das canções que saltam aos olhos neste disco. Estranho, mas este segundo salto-solo de Tatá possui uma sonoridade que continua a conversar com algo do álbum de estréia de Bárbara: muito disso, creio, se sintetiza na produção a cargo de Dustan Gallas e Júnior Boca (que também produziram o primeiro disco de Tatá).

Outra constatação que salta aos ouvidos neste novo disco é a continuidade do aparente diálogo com a noite – mas não qualquer uma, senão a boêmia paulista – como parece sugerir o próprio Tatá.

Este retrato ganha contornos nítidos no fecho deste novo trabalho: Na Lucidez. Na minha opinião, uma das melhores canções do disco e que, de longe, o fecha em um arremate impressionante este que é desde já um daqueles álbuns que devem figurar em qualquer lista de melhores do ano que se preze.

E, finalizando: lembram do fantasma de Sérgio Sampaio sugerido alguns parágrafos acima. Dizem que ele foi visto perambulando pela Augusta seguindo Tatá Aeroplano. Os mais atentos viram um sorriso no rosto da tal entidade, como se satisfeito estivesse com o rapaz e seu grande disco…

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Artigos, Música

O mal-estar nada aparente em Everyday Robots de Damon Albarn

Damon Albarn

Damon Albarn é um gênio da música. O foi quando esteve no Blur, se tornando onipresente através da década de 1990, e o fora também nos anos 2000 com seu Gorillaz. Sim, Albarn é gênio. Entretanto, ainda que em sua condição de bardo, isto não significa dizer que seja infalível. Esta tal falibilidade é posta à prova com sua recente investida solo, o disco Everyday Robots.

Digamos assim, sem muitos rodeios: o disco é de um mau humor monumental. Não que tal idéia seja algo ruim. Ao longo da última década tivemos toda uma produção do Radiohead, hipsters e outros sujeitos do gênero mostrando o lado soporífero da Força, mas, especialmente quando escutamos o disco de Albarn e o lamento que o atravessa, é inevitável dizer:

– Moço, menos ardor com as chibatadas, tá!?

Everyday Robots é um disco chato. Não é apenas mau humorado ou “mala” – como, por exemplo, o álbum Portishead de 1997 que, de longe, é o meu favorito quando o motivo são os dissabores do mundo -, é simplesmente chato. Dispensável, pra falar a verdade: mais parece uma sessão perdida de alguém com os cotovelos inchados parida de uma audição do The Fall do Gorillaz.

Everyday RobotsDou um desconto por ser a primeira investida “solo” de Damon Albarn – mesmo que as aspas se mostrem necessárias para afirmar isso, afinal, o sujeito atravessou a última década com mais projetos do que minhas mãos podem contar. Mas é só um desconto breve porque, do apanhado de músicas destes Everyday Robots, creio que pouco se salva – sem contar que mais parece uma sessão perdida do projeto Kinshasa One Two.

Dentre aquelas que se sobressaem, entre seus mortos e feridos, está a faixa-título. Everyday Robots, a música, estabelece uma certa conversa com um outro projeto anterior de Albarn: o álbum de Bobby Womack, The Bravest Man in The Universe. É estranho, mas a chave de resposta para que possamos compreender o quanto este Everyday Robots, o álbum, é irregular está justamente na profusão de idéias que atravessa a trajetória de Albarn.

Se nas duas últimas décadas ele se fez onipresente – seja colaborando com outros ou criando projetos buscando a expansão de sua verve criativa -, esta tal não se mostra em seu disco-solo. Hostiles parece ter saído de algum momento do The Good, The Bad & The QueenLonely Press Play, de suas experimentações hipertecnológicias para o The FallMr. Tembo, de algum momento do Plastic Beach

No fim, como disse no início, mesmo gênio, Albarn peca neste Everyday Robots por apresentar uma espécie de apanhado de sua última década, mas envolvida pelo signo da irregularidade. No fim, um disco chato: por isso, prefiro esperar a segunda vinda de Damon Albarn…

 

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