Cinema, Crítica

O estranho vôo da distópica Bacurau.

Ok, é distopia sim…

Bacurau, longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é uma distopia daquelas que reviram sua cabeça de um modo único, mas é também dessas que se enredam e enviesam esses nós chamados tradição e modernidade. Direi que o filme é um nó cego repleto de elementos que despontam da tela, nos interrogam sobre nosso lugar/ser atual e nos obriga à tomada de posição. E, antes, Bacurau não é um filme para que muitos compreendam suas camadas subtextuais, mas muitos o verão porque esperam muito da experiência que ele oferece.

Há um jogo em Bacurau. Sim, os vilões, os forasteiros, estão lá naquela comunidade no meio do nada do sertão nordestino para um jogo sanguinário: temos um grande battle royale ao ar livre em que os estrangeiros, ajudados po uns fulanos do sudeste, preencher seus vazios individuais com uma boa dose de ultraviolência.

Sim, amiguinhos: a laranja do titio Burguess é descascada para dar lugar ao suco psicodélico da trama orquestrada por Kleber e Juliano…

Cartaz de Bacurau de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.

Porém, neste caldeirão alucinante, os forasteiros e os sudestinos não contavam que uma comunidade nos rincões do sertão detêm e cultivam seus vínculos, sua identidade, seus valores… Bacurau, para além de uma distopia, versa sobre o tecido que nos une, que nos identifica e que nos leva à tomada de ação, do revide — como na sensacional de/referência a John Carpenter e seu Assalto à 13ª DP —  e não é obra do acaso que as reações de todos os personagens do longa sejam, ao mesmo tempo, violentas e de uma busca urgente pela autopreservação comunitária, vide a reação ao playboizinho prefeito da cidade onde a comunidade de Bacurau está inserida.

Por outro lado, é provável que você não tenha se dado conta, mas o pássaro que empresta seu nome ao filme, o tal bacurau, como bem cantou Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, aquele que encarnou a imagem deste nordeste que não se dobra, é uma ave de rapina que “pega, mata e come”: o povo de Bacurau entende que sua voracidade hiperindividual deriva, sim, daquela ave que observa, ronda e ataca/devora sua presa. É por isso que buraco que Lunga e seus parceiros cavam para a tocaia contra os forasteiros — e no qual “enterram” um dos prisioneiros — reflete este lugar que devora suas presas e que, sim, pega, mata e come.

A dinâmica da identidade de autopreservação comunitária se insurge ainda mais vigorosa quado dois dos tais forasteiros gamers deste PUBG de carne e osso ambientado em Bacurau resolvem partir para cima de um casal de anciãos… Sim, eles vêem o casal de curandeiros da comunidade como velhos prontos para o abate, mas, para surpresa de uma estupefata garota com os dedos reduzidos a nacos após ver a cabeça de seu companheiro explodir como uma melancia, o casal de velhos era uma dupla de trabucos fumegantes nas mãos: são bacamarteiros e não apenas moradores de uma comunidade dos rincões nordestinos, mas guardiões de uma tradição que se contrapõe a modernidade louca de seus jogos.

E é assim que Bacurau se transforma em um emaranhado de subtextos que, reunidos, mais que contar uma alegoria da resistência de uma comunidade contra o arbítrio, narra muito sobre os nossos dias e sobre o que nos aguarda em um futuro possível. Para os desavisado, uma das chaves que transformam qualquer distopia em uma “visão do possível” é a amplificação do real às raias do absurdo e do non-sense todas promovem.

Sim, Bacurau é uma distopia: daquelas que nos assombram, nos ensinam e nos previnem sobre o que está por vir.

Como já disseram, Bacurau é barra!

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