Artigos, Política

Viva a morte!?

Cada banco de escola é um púlpito e cada escola um templo. Penso na história de Unamuno e sua resistência à intolerância e à ignorância. Vivemos isto agora neste país continental, diverso e múltiplo chamado Brasil. A estupidez parece ganhar corpo a cada fala de Bolsonaro; a cada movimento de seus asseclas para destruir ou retroceder conquistas.

A verdade é que estamos diante de uma travessia importante que nos redefinirá adiante. Talvez tenhamos a sorte daqueles que, como Unamuno, viram-se ceifados pela truculência e violência dos que querem o silêncio que concorda e o medo que nos enrijece, mas talvez esta seja a nossa sorte para estabelecermos um ponto.

Vejam… O mesmo país em estilhaços que acompanha o percurso do desmonte capitaneado por Bolsonaro e os seus também observa o crescimento de um sentimento de valor que até então tínhamos como perdido: as ruas foram tomadas há pouco por milhares de pessoas que se colocaram na luta pelo conhecimento e pelos templos onde estes estão verdadeiramente.

Esta é a mudança que se desenha. Talvez tenhamos que escutar um “Viva à Morte” em breve, mas, talvez mais provável, a reação que ora se esboça aponta para algo que muitos iguais davam como perdido: a capacidade dos nossos de perceber que não nos cabe ignorar, mas resistir ao assédio daqueles que buscam nos apagar desta equação elaborada, versátil e plural chamada Brasil.

Os que estão com Bolsonaro agora não compreendem o papel do povo nesta equação; não compreendem o lugar da diversidade de pessoais e idéias para a construção de um país maior; não compreendem o destino que nos espera para além deles. Este, nosso, é o da reconquista e esta não se dará no silêncio aquiescente, mas no concordar ensurdecedor de um novo pacto.

Bolsonaro está de mãos dadas à minoria que ainda grita, com outras palavras, algo próximo de um “Viva à Morte”… Mas passam longe do convencer, do persuadir: para tanto, Bolsonaro teria que pensar o Brasil e isto ele não poderá fazer.

Pensar é libertador; pensar nos move; pensar nos interpela a tomar partido e nos contrapor ao arbítrio.

Para nossa sorte, Bolsonaro está perdido e seguirá como tal rumo a seu ocaso.

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É tempo de Copa, mas…

A Copa no Brasil terminou muito antes de ter começado. Uma das minhas primeiras recordações da infância é da Copa de 1982: lembro das casas decoradas, ruas pintadas e um sentimento de que aquele esforço valia a pena – especialmente porque a Seleção estava jogando e que tudo aquilo representava um ideal, um sentimento compartilhado de realização coletiva. Me parece, no entanto, mesmo quando comparado com aquele sentimento em relação ao Mundial de 2010 na África do Sul, que a Copa é natimorta: fala-se em investimentos, legado, retorno, mas, o tal sentimento de realização coletiva, que seria o mais significativo, sequer mostrou-se.

Uma pesquisa divulgada no dia 22/04/2014 deu a dimensão de tal sentimento ausente: 83% dos brasileiros, aponta o levantamento da Associação Comercial de São Paulo, disseram que não realizariam gastos adicionais para a Copa do Mundo. Significa dizer que a maioria da população não comprará uma TV nova, sofá ou pretende contribuir para deixar sua rua ou condomínio preparados para os jogos da competição.

Uma outra pesquisa, desta vez do Datafolha, apontou que cerca de 55% dos brasileiros acredita que a competição trará mais prejuízos que benefícios para o país. Além disso, a mesma pesquisa mostra uma divisão entre os favoráveis e contrários à competição no país: 44% dos brasileiros são favoráveis à realização da Copa contra 41% contrários – e 10% da população sem dar a mínima para ela. São números expressivos e que à sua maneira atribuem o contorno do que ora percebemos nas ruas.

O brasileiro, no geral, graças à maneira como a organização da competição se deu em nosso país, expressa sua descrença em um país que é eterno projeto em um projeto mal conduzido. A Copa do Mundo no Brasil detinha todas as componentes para mostrar o que temos de melhor: nossa diversidade, alegria, carinho e prazer em acolher. Entretanto, graças a todos, as ruas permanecerão sem cores, sem bandeiras e sem o tal sentimento compartilhado de realização coletiva que tanto nos alimentara em momentos anteriores.

O que resta da Copa do Mundo de 2014 no Brasil é a expressão de um outro sentimento comum e igualmente compartilhado: de que falhamos coletivamente. Aceitamos o engodo e passamos a pensar o Mundial não como um povo, mas como a Fifa, vendo-o mais como um negócio e não como oportunidade para expressar aquilo que reconhecemos como nosso melhor: nossa unidade.

A Copa do Mundo no Brasil foi perdida e ela nem mesmo começou. Que venha uma outra fora daqui para que possamos exorcizar este sentimento que incomoda, mesmo ilhado.

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