Comecei a ler os X-Men muito cedo e, sem medo de errar, sempre foram os personagens da Marvel Comics que melhor capturavam minha atenção. A criação de Stan Lee e Jack Kirby representa aquela síntese que mescla rejeição, superação, senso de comunidade e de luta contra injustiças: prato cheio para crianças/adolescentes em busca de um lugar.
Encontrei o meu com os Fabulosos X-Men que vinham nas páginas da revista Superaventuras Marvel da Editora Abril lá nos anos 1980: “Só dói quando ele ri” aparecia na edição 14 e era a primeira aventura de um arco escrito por Chris Claremont e ilustrado por John Byrne narrando a luta dos personagens contra o vilão Arcade.
E por que falar de um grupo tradicional de personagens que, ao longo dos anos, passou por tantas mudanças, idas e vindas – com personagens morrendo, ressucitando, morrendo novamente, ressucitando novamente, sendo perseguidos, alguns exterminados, ressurgindo novamente, tudo em uma espiral contínua de transformações!?
Sou suspeito, mas creio que a nova fase dos X-Men escrita por Jonathan Hickman – responsável por uma reformulação memorável no Quarteto Fantástico em que promoveu um importante redesenho na mitologia da “primeira família” da Marvel – é de longe uma das mais profundas transformações já sofridas pelos personagens (algo ainda mais elaborado que a passagem de Grant Morrison lá na primeira metade dos anos 2000).
Hickman transforma os X-Men em uma força política: os personagens não são mais párias superpoderosos fantasiados que resistem ao preconceito e ódio, mas se tornam uma nação autônoma que se apresenta ao planeta estabelecendo seu lugar e conclamando iguais a compartilharem destes mesmo espaço: heróis ou vilões, todos os mutantes são bem-vindos nesta nova configuração estabelecida.
Para tanto, não há Genosha – destruída no arco inicial dos Novos X-Men de Grant Morrison por um grupo de Sentinelas descomunais e selvagens -, mas Krakoa: a ilha viva criada por Len Wein e Dave Cockrum e que fez sua primeira aparição em 1975 nas págins de Giant-Size X-Men #1 em que foram apresentados os Novos X-Men.
Entretanto, Krakoa não é apenas uma ilha, mas um ecossistema mutante que, na proposta de Hickman, se torna abrigo para uma nação autônoma e refúgio todos os mutantes do planeta.
Para tanto, Xavier, Magneto, Moira Moira McTaggert transformam a ilha em um espaço restrito aos mutantes: só aqueles que possuem genes mutantes têm permissão para acessar os diferentes portais que levam à Krakoa.
Mas Jonathan Hickman puxa outras idéias da cartola: como forma de barganhar sua autonomia e existência, os mutantes passam a oferecer as Flores de Krakoa como contrapartida a suas reivindicações.
São três drogas sintetizadas e que oferecem: a possibilidade prolongamento da vida em até cinco anos; um antibiótico universal adaptável; e um último remédio capaz de curar doenças mentais em seres humanos.
Os mutantes se transformam, na visão de Hickman, em um agente político especialmente importante para o cenário mundial. Além disso, Hickman lança mão de uma das mais interessantes construções em torno dos mutantes: o fantasma da morte não passa por Krakoa.
Depois de muito, Charles Xavier descobriu como copiar a mente de todos os mutantes e armazená-las em Krakoa. Além disso, com um grupo de mutantes específicos e que passaram a viver na ilha, tornou-se possível a produção de cópias exatas dos mutantes que eventualmente morrem e, quando ressucitados, Xavier “regrava” suas mentes.
A abordagem de Hickman é revolucionária porque apresenta os X-Men e toda sorte de personagens deste universo como finalmente donos de seus destinos e dispostos à resistência contra quaisquer ameaças.
Uma parte importante dessa resistência é a própria Moira McTaggert, ou Moira X, que, descobrimos na série, é mais que apenas uma brilhante cientista, mas uma mutante-chave para a ascensão deste novo cenário para os X-Men.
Os cinco primeiros volumes dessa saga escrita por Jonathan Rickman e ilustrada por Pepe Larraz estão disponíveis nas melhores bancas e livrarias. Eu, no seu lugar, leria essa que é desde já uma das fortes candidatas a melhor arco de aventuras dos X-Men.
A mudança proposta por Rickman é emblemática e reverberará durante muito nos personagens e não mexe apenas com a narrativa, mas acrescenta componentes como política, respeito às diferenças, autodeterminação dos povos, resistência e preservação ambiental.
Está tudo lá. Jonathan Rickman acerta ao utilizar os clássicos mutantes de Stan Lee e Kirby – que nasceram sob o signo da diferença e resistência – para discutir o presente e o futuro. E este arco é justo sobre como lidar com o futuro e fazê-lo acontecer…